Vírus: origem evolutiva, composição e morfologia

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História


Antes da identificação dos germes causadores de doenças, acreditava-se que elas eram causadas por venenos. O termo em latim para veneno é vírus.

Louis Pasteur, em meados do século XIX, designava como vírus todos os agentes causadores de infecção em geral. Entretanto, nem sempre era possível visualizar no microscópio óptico os agentes causadores dessas enfermidades. Foi então identificado que alguns desses agentes que causavam doenças em humanos e plantas podiam passar por filtros projetados para retenção de bactérias. Dessa forma, esses agentes passaram a ser conhecidos como “agentes filtráveis” ou “vírus filtráveis”. Cada vez mais a possibilidade de ser uma toxina era descartada, principalmente devido ao fato de o agente causador ser transmitido mesmo em baixas diluições.

imagem de perfil de Louis Pasteur

Louis Pasteur (Fonte: Wikipédia)


Apesar disso, a natureza dos vírus só foi realmente esclarecida em 1935, quando Wendell Standley, um químico norte-americano, isolou o vírus do mosaico do tabaco, tornando possível, pela primeira vez, o desenvolvimento de estudos químicos e estruturais com um vírus purificado. A invenção do microscópio eletrônico, alguns anos antes, possibilitou a sua visualização.

Origem evolutiva dos vírus


A origem dos vírus ainda não é conhecida. Existem grandes diferenças entre os vírus de DNA e RNA, sendo possível que os diferentes tipos de vírus tenham origens distintas. Duas hipóteses sobre a origem evolutiva dos vírus podem ser resumidas da seguinte forma:

1 Os vírus podem ser derivados dos ácidos nucleicos (DNA ou RNA) de células hospedeiras que adquiriram a capacidade de replicação autônoma e evoluíram independentemente. Assemelham-se a genes que adquiriram a capacidade de existir independente da célula. Algumas sequências virais estão relacionadas com porções de genes celulares que codificam domínios funcionais proteicos.

Isso explicaria o porquê dos vírus possuírem em seu material genético as informações necessárias para fazer a célula hospedeira produzir as moléculas utilizadas na sua replicação. É provável que pelo menos alguns vírus tenham evoluído dessa maneira.

A segunda hipótese diz que:

2 Os vírus podem consistir em formas degeneradas de parasitas intracelulares. Não há evidências de que os vírus tenham evoluído a partir de bactérias, embora exista a probabilidade de que outros microrganismos intracelulares obrigatórios (ex.: riquétsias e clamídias) tenham feito isso. Todavia, os poxvírus são tão grandes e complexos que podem representar produtos evolutivos de algum ancestral celular.

Espectro de hospedeiros


O espectro de hospedeiros consiste na variedade de células hospedeiras que o vírus pode infectar. Existem vírus que infectam invertebrados, vertebrados, plantas, protistas, fungos e bactérias (os vírus que infectam bactérias são denominados como bacteriófagos ou fagos).

No entanto, a maioria é capaz de infectar tipos específicos de células de uma única espécie de hospedeiro. Em raras exceções, através de mutação e seleção, os vírus cruzam a barreiras de espécies, expandindo assim o seu espectro de hospedeiros. Um exemplo foi o que aconteceu com o coronavírus causador da doença COVID-19, o SARS-CoV-2, que infectava morcegos, mas conseguiu migrar e passou a infectar humanos, causando a pandemia do coronavírus em 2019/2020.

O espectro de hospedeiros de um vírus é determinado pela exigência viral quanto à sua ligação específica à célula hospedeira e pela disponibilidade de fatores celulares do hospedeiro em potencial necessários para a multiplicação viral.

Para que ocorra infecção da célula hospedeira, a superfície externa do vírus deve interagir quimicamente com receptores específicos presente na superfície celular. Então ocorre a união dos componentes complementares através de ligações simples, como ligações de hidrogênio. Para alguns bacteriófagos, o receptor faz parte da parede da célula hospedeira; em outros casos, faz parte das fímbrias ou dos flagelos. No casos de vírus animais, os receptores estão na membrana plasmática das células hospedeiras.

Características gerais dos vírus


Os vírus são os menores agentes infecciosos (com diâmetro que varia de 12 nm até 400 nm) causadores de doenças em humanos, animais ou plantas. Essas doenças podem ser benignas, como as verrugas ou doenças graves, como a AIDS. Entretanto, vale ressaltar que além de causarem problemas aos seres humanos, os vírus têm servido como ferramentas fundamentais em pesquisas científicas. Como sua utilização em vetores para introdução de genes em organismos, abrindo as fronteiras da terapia gênica.

comparação de tamanho entre vírus, bactérias e eritrócitos

Comparação de tamanho dos vírus com uma bactéria e um eritrócito humano

(Fonte: Tortora; Funke; Case, 2012)


Eles são constituído de apenas um tipo de ácido nucleico, DNA ou RNA, é envolvido por uma capa proteica, denominada capsídeo e, em alguns casos, pode apresentar uma membrana lipoproteica, denominada envelope ou envoltório, os vírus que possuem o envelope são chamados de vírus envelopados. A unidade infecciosa completa é denominada virion.

imagem representativa dos componentes da partícula viral sendo esse ácido nucleico, capsídeo, capsômero e envelope viral

Componentes da partícula viral completa, o virion

(Fonte: Brooks et al., 2014)


Essa simplicidade faz com que os vírus sejam inertes no ambiente extracelular, sendo incapazes de crescimento independente, podendo replicar somente em células animais, vegetais ou microrganismo. Dessa forma, são classificados como parasitas intracelulares obrigatórios, já que dependem da maquinaria interna de outros organismos para a sua reprodução. O ácido nucleico viral contém a informação necessária para programar a célula hospedeira infectada a iniciar a síntese das macromoléculas específicas utilizadas para a reprodução viral.

Composição dos vírus


Ácido Nucleico


Os vírus são constituídos de apenas um tipo de ácido nucleico, DNA ou RNA, ambos podem ser encontrados tanto na forma de fita simples (ss: single stranded) quanto de fita dupla (ds: double stranded). Assim, os vírus possuem quatro tipos de genomas: DNA fita simples (ssDNA); DNA fita dupla (dsDNA); RNA fita simples (ssRNA) ou RNA fita dupla (dsRNA). Além disso, o ácido nucleico pode ser encontrado na forma linear, circular ou segmentado.

A quantidade de ácido nucleico na partícula viral pode variar de 2.000 a 2,5 milhões de bases ou pares de bases. Os genomas maiores são observados apenas em vírus gigantes (mimivírus e pandoravírus) que infectam amebas.

Em 2000, Bresnahan e Shenk descreveram pela primeira vez, uma exceção à regra de que os vírus contêm um só tipo de ácido nucleico: o citomegalovírus, um herpesvírus com genoma de DNA contém uma pequena quantidade de RNA em sua partícula viral. São RNAs mensageiros (mRNAs) que são imediatamente traduzidos nos ribossomos, dando origem a proteínas utilizadas nas etapas precoces da replicação viral, antes do início da transcrição do genoma.

Capsídeo


O capsídeo é a estrutura proteica que fica envolta do genoma viral e que lhe confere proteção, é formado a partir das proteínas chamadas capsômeros e, dependendo da forma que o capsômero se agrupa em torno do genoma ele vai apresentar uma simetria característica, normalmente icosaédrica ou helicoidal. O genoma em conjunto com o capsídeo constitui o nucleocapsídeo.

Envelope viral


Alguns vírus possuem, além do ácido nucleico e do capsídeo, uma estrutura similar à das membranas celulares, constituída de lipídeos, proteínas e carboidratos, que envolve o nucleocapsídeo, essa estrutura é chamada de envelope viral. Essa estrutura provêm da célula hospedeira, que durante o processo de extrusão, quando a partícula viral é liberada da célula hospedeira, a partícula é envolvida por uma camada de membrana plasmática celular que passa a constituir o envelope viral.

Devido a presença de lipídeos no envelope, os vírus envelopados são sensíveis a solventes orgânicos, como o éter. Quando estão na presença dessa substância, os lipídeos são dissolvidos e o vírus perde a sua infectividade. É importante salientar que as glicoproteínas do envelope, por estarem expostas na superfície viral, constituem os principais antígenos de vírus envelopados.

Enzimas


Apesar de serem inertes fora da célula, algumas partículas virais possuem enzimas que têm grande importância no processo infeccioso. Os retrovírus, por exemplo, possuem a transcriptase reserva, necessária para a sua replicação. Em outros vírus, há enzimas que ajudam o agente infeccioso a entrar na célula. É o caso de alguns bacteriófagos, que possuem uma enzima, lisozima, necessária para fazer uma perfuração na parede celular para a penetração do genoma viral na célula hospedeira.

Morfologia e simetria da partícula viral


Com base na simetria do capsídeo, os vírus podem ser classificados em vírus poliédricos, helicoidais ou de estrutura complexa.

É necessário dispor de informações sobre a estrutura dos vírus para a sua classificação e para que se compreendam os mecanismos de certos processos, como a interação das partículas virais com receptores de superfícies celular e anticorpos neutralizantes, o que também pode levar ao planejamento racional de fármacos antivirais, capazes de bloquear a fixação, o desnudamento ou a organização dos vírus em células suscetíveis.

Vírus poliédrico


imagem representando a morfologia de um vírus poliédrico ou icosaédrico não envelopado

Morfologia de um vírus poliédrico (icosaédrico) não envelopado

(Fonte: Tortora; Funke; Case, 2012)


O capsídeo da maioria dos vírus poliédricos tem a forma de um icosaédro. O icosaédro é um polígono de 20 faces triangulares, 12 vértices e 30 arestas, que apresenta três eixos de simetria. O ácido nucleico encontra-se empacotado no centro do polígono. Os adenovírus e os picornavírus são exemplos de vírus icosaédricos, não envelopados, e os herpes-vírus são exemplos de vírus icosaédricos envelopados.

Os vírus icosaédricos não têm obrigatoriamente morfologia icosaédrica, podendo apresentar morfologias diversas, desde que mantenham a simetria icosaédrica.

Vírus helicoidal


imagem representando a morfologia de um vírus helicoidal

Morfologia de um vírus helicoidal

(Fonte: Tortora; Funke; Case, 2012)


Nos vírus de simetria helicoidal, os capsômeros assemelhando-se a bastões longos, que podem ser rígidos ou flexíveis, eles são dispostos em torno do ácido nucleico na forma de uma hélice. O ácido nucleico fica no interior desta estrutura, em geral intimamente associado aos capsômeros, formando um nucleocapsídeo mais compacto. Os vírus do mosaico do tabaco são um exemplo de vírus helicoidais não envelopados, já o vírus da raiva é um exemplo de vírus helicoidal envelopado.

Da mesma forma que os vírus poliédricos, os vírus helicoidais podem apresentar morfologias diversas, o vírus da raiva, por exemplo, apresenta a forma de bala de revólver.

Vírus de estrutura complexa


imagem representando a morfologia de um vírus de estrutura complexa

Morfologia de um vírus de estrutura complexa

(Fonte: Tortora; Funke; Case, 2012)


Os vírus de estrutura complexa são vírus que não podem ser classificados como poliédricos ou helicoidais. O exemplo mais característico são alguns bacteriófagos, como o T4, que tem um capsídeo em forma de cabeça poligonal, com estruturas adicionais, formando uma cauda, com bainha contrátil, placa basal, fibras e outras estruturas.

REFERÊNCIAS


1 BROOKS, G.F. et al. Microbiologia médica. 26.ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.

2 MURRAY, P.R.; ROSENTHAL, K.S.; PFALLER, M.A. Microbiologia médica. 7.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

3 TORTORA, G.J.; FUNKE, B.R.; CASE, C.L. Microbiologia. 10.ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.

4 TRABULSI, L.R.; ALTERHUM, F. Microbiologia. 6.ed. São Paulo: Atheneu, 2015.

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